O juiz da primeira Vara Civil de Caicó, André Melo Gomes Pereira, apresentou sua decisão sobre a ação de autoria do vereador Valdemar Araújo (PR), contra a Câmara Municipal de Caicó e outros sete vereadores.
A ação de Valdemar, cujo objeto é declarar a nulidade do edital da convocação extraordinária que teve por objetivo a apreciação de supostas irregularidades, que teriam sido cometidas por ele à frente da presidência da Câmara, pedia ainda a nulidade de todos os atos subseqüentes a essa convocação, dentre eles a de nomeação da comissão processante, em 14 de janeiro de 2011, e do afastamento definitivo de Valdemar do cargo de presidente.
No processo, Valdemar alegou que os vereadores demandados convocaram assembléia extraordinária sem submeter o requerimento ao presidente da Câmara, bem como foi submetido a procedimento administrativo que resultou em perda da função de presidente, sem que seja respeitado o devido processo legal, ante a ausência de procedimento previamente estabelecido. Afirmou, ainda, que os integrantes da comissão processante não gozavam da devida isenção e que os motivos que ensejaram o seu afastamento definitivo não seriam suficientes em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em sua decisão, o magistrado indeferiu a ação. E acrescentou:
No que se refere à argumentação de que membros da Comissão Processante não gozam da devida Isenção e Imparcialidade, não obstante o deduzido na inicial, não se pode olvidar as características próprias do Parlamento, em que seus membros se dividem em agremiações partidárias e em outras formas de coalizão, às vezes mais atuantes de que alguns partidos na realidade brasileira, e que, mesmo assim, o nosso sistema constitucional escrito e a nossa tradição constitucional permanecem firmes no que se refere à autonomia do Poder Legislativo para não só destituir membros da Mesa Diretora, como também para cassação de mandatos como tem acontecido no plano federal com alguma freqüência, envolvendo até mesmo membros proeminentes do partido que há 8 anos está no governo.
É uma opção do nosso sistema que traz dificuldades em face da disputa partidária que, diga-se de passagem, não é privilégio nosso. Otto Bachoff cita interessante caso em que se discutia, na República Federal Alemã, no parlamento, a que partido pertencia um mandato, uma simples questão de direito, ocorrendo que todos os deputados de um partido perfilham uma posição e todos do outro partido perfilharam outra posição, atendendo unicamente a questões partidárias. São as vicissitudes de nosso sistema. Exigir imparcialidade e isenção nos termos defendidos na inicial seria o mesmo que retirar a competência do Poder Legislativo para casos como o dos autos.
Em relação ao argumento relativo ao devido processo legal no âmbito administrativo, deve-se observar que já foi objeto de decisão deferitória no outro processo e pelo que consta nos autos a decisão foi cumprida. Pondere-se que o autor não indicou qualquer prejuízo pela ausência de defesa preliminar, nem ao menos que não pôde se manifestar ao final sobre as provas produzidas, o que demonstra a completa ausência de prejuízo.
O autor atacou por fim o mérito do ato do Poder Legislativo que o destitui não do mandato de vereador, e sim de presidente da Mesa Diretora, discutindo os motivos e juntando degravação de conversa com um vereador, conversa esta que demonstraria a existência de esquemas de corrupção aos quais o autor não teria se submetido, o que teria motivado o afastamento.
Não se pode dizer que a tese do autor é verdadeira ou falsa. Contudo, o que há nos autos é a degravação da conversa com um vereador. Embora haja menção a outros vereadores, apenas o autor e o vereador José Maria participaram da conversa. O diálogo, se real, espelha muito do que qualquer estudo sócio-antropológico pode demonstrar do exercício do Poder no Brasil, notadamente no âmbito municipal. No diálogo, não há qualquer menção ao papel do Legislativo nem às ações necessárias a sua afirmação enquanto poder. Apenas discutem-se práticas de fisiologismo para perpetuação nos mandatos e desvio de finalidade de verbas públicas em tese.
Lamentável diálogo. As informações já foram encaminhadas ao Ministério Público e a outras entidades. Um olhar externo pode até apontar que a forma de encaminhamento limitou, em muito, as possibilidades investigativas, contudo, isso é outro assunto.
O diálogo pode até ensejar investigações mais aprofundadas e a comprovação ou não de outros dados, todavia ele não é suficiente hoje, nem é o objeto deste processo, para se decretar intervenção na Câmara e ser ter por nulos todos os atos que ela pratica.
O diálogo só implica os que dele participaram diretamente e no limite do que declararam. Assim, com as provas hoje existentes, que são cartas anônimas e um diálogo com vereador, não é possível anular-se um ato administrativo complexo, posto que praticado pelo Colegiado.
Quanto à discussão relativa aos fatos que foram considerados pela Câmara Municipal como suficientes para a destituição, é preciso observar que esses fatos não são sindicáveis pelo Poder Judiciário, sendo de competência do Legislativo a sua apreciação. Seria lícito, mesmo ao Supremo Tribunal Federal, se imiscuir, por exemplo, nas razões que levaram a Câmara dos Deputados a cassar o mandato do então deputado federal José Dirceu, dizendo, por exemplo, que não existiu mensalão? Evidentemente que não. Esses atos tocam diretamente a própria autonomia enquanto poder do Legislativo, que exerce um juízo político e toma suas decisões no mérito.
Não há, dessa forma, a verossimilhança necessária para o deferimento da tutela de urgência.
Indefiro, assim, a tutela de urgência.
Citem-se os réus para resposta.
Publique-se. Intime-se, inclusive, o Ministério Público.
Caicó, 18 de março de 2011.
ANDRÉ MELO GOMES PEREIRA – Juiz de Direito
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